Uma autobiografia será sempre prematura, assim como as memórias, se for escrita muito antes da morte. Será inquestionavelmente um conjunto de revelações incompleto, tendo em conta que a história mais interessante poderá ser a última.
Mas no caso de Ievguéni Ievtuchenko (1933-), a sua Autobiografia Prematura faz algum sentido se considerarmos que foi escrita num período especial da União Soviética. Embora não tenha conseguido descobrir o ano exacto em que foi escrita a obra (presumo que entre 61-62), foi seguramente no período de destalinização (Estaline tinha morrido em 1953) e no momento de maior abertura, uma vez que Kruschev teve como objectivo denunciar ao máximo as atrocidades do seu predecessor. Assim, Ievtuchenko, aproveita esta porta aberta para escrever livremente, não pensando num líder que censurasse a sua obra, nem ao mesmo tempo, temer um exílio na Sibéria (sua terra natal). Por outro lado, não sabia que líder se seguiria, portanto aproveitou e fê-lo bem.
Em "Autobiografia Prematura" o escritor soviético expõe a sua vida sem qualquer tipo de pretensiosismo, nomeadamente no que diz respeito à sua vida literária. Fala com franqueza quando assume as recusas dos jornais e editoras, nem sempre por falta de talento, mas porque razões políticas impediam tal poema de ser publicado. E um dia consegue publicar poemas em jornais desportivos – o que lhe confere desde logo inimizades vindas de colegas de profissão -, poemas de juventude, claro, mas marcados por uma certa irreverência, uma vez que não referiam o nome de Estaline. Na verdade, alguns deles tiveram de ser “emendados” para puderem ser publicados. E no fim, lá aparecia o nome do ditador soviético. Curiosamente, o livro preferido de Ievtuchenko é Martin Eden, de Jack London, onde a personagem principal (Martin Eden) é um escritor que procura editar e não consegue. A sua luta épica dura anos, assim como a de Ievguéni Ievtuchenko.
Mas Ievtuchenko não fala só de literatura, aborda ainda aspectos sociais e políticos do seu país, explica alguns dos trabalhos que foi tendo e sobretudo, da sua outra paixão: o futebol. Tal como Albert Camus, Ievtuchenko podia ter sido guarda-redes (parece que seria dos bons), porém, um dia chega aos treinos completamente bêbedo e o treinador expulsa-o. Estava terminada a sua carreira no futebol, apenas porque agora já publicava poemas em jornais e isso “obrigava-o” a ser boémio.Um dos episódios mais marcantes deste livro é a descrição do funeral de Estaline. Como é natural, milhares de pessoas amontoaram-se para ver o féretro onde seguia o morto, alguns por simpatia outros para terem a certeza de que realmente Estaline tinha morrido. No entanto, durante o cortejo, várias foram as pessoas que morreram, sufocadas e espezinhadas, empurradas contra paredes e postes. Ievtuchenko ajudou a multidão e conseguiu atenuar a tragédia, mas não conseguiu ver Estaline. Ou conseguiu? “- Viste o Estaline? – Perguntou-me a minha mãe. / - Vi – Respondi num tom que não encorajava a continuação da conversa, enquanto erguia o meu copo e tocava no do rapaz. / Afinal , não chegara a mentir à minha mãe. Estaline era, realmente, aquele desastroso espectáculo que presenciara.” (p.130).
"Autobiografia Prematura"
Publicações Dom Quixote, 1966
Mas no caso de Ievguéni Ievtuchenko (1933-), a sua Autobiografia Prematura faz algum sentido se considerarmos que foi escrita num período especial da União Soviética. Embora não tenha conseguido descobrir o ano exacto em que foi escrita a obra (presumo que entre 61-62), foi seguramente no período de destalinização (Estaline tinha morrido em 1953) e no momento de maior abertura, uma vez que Kruschev teve como objectivo denunciar ao máximo as atrocidades do seu predecessor. Assim, Ievtuchenko, aproveita esta porta aberta para escrever livremente, não pensando num líder que censurasse a sua obra, nem ao mesmo tempo, temer um exílio na Sibéria (sua terra natal). Por outro lado, não sabia que líder se seguiria, portanto aproveitou e fê-lo bem.
Em "Autobiografia Prematura" o escritor soviético expõe a sua vida sem qualquer tipo de pretensiosismo, nomeadamente no que diz respeito à sua vida literária. Fala com franqueza quando assume as recusas dos jornais e editoras, nem sempre por falta de talento, mas porque razões políticas impediam tal poema de ser publicado. E um dia consegue publicar poemas em jornais desportivos – o que lhe confere desde logo inimizades vindas de colegas de profissão -, poemas de juventude, claro, mas marcados por uma certa irreverência, uma vez que não referiam o nome de Estaline. Na verdade, alguns deles tiveram de ser “emendados” para puderem ser publicados. E no fim, lá aparecia o nome do ditador soviético. Curiosamente, o livro preferido de Ievtuchenko é Martin Eden, de Jack London, onde a personagem principal (Martin Eden) é um escritor que procura editar e não consegue. A sua luta épica dura anos, assim como a de Ievguéni Ievtuchenko.
Mas Ievtuchenko não fala só de literatura, aborda ainda aspectos sociais e políticos do seu país, explica alguns dos trabalhos que foi tendo e sobretudo, da sua outra paixão: o futebol. Tal como Albert Camus, Ievtuchenko podia ter sido guarda-redes (parece que seria dos bons), porém, um dia chega aos treinos completamente bêbedo e o treinador expulsa-o. Estava terminada a sua carreira no futebol, apenas porque agora já publicava poemas em jornais e isso “obrigava-o” a ser boémio.Um dos episódios mais marcantes deste livro é a descrição do funeral de Estaline. Como é natural, milhares de pessoas amontoaram-se para ver o féretro onde seguia o morto, alguns por simpatia outros para terem a certeza de que realmente Estaline tinha morrido. No entanto, durante o cortejo, várias foram as pessoas que morreram, sufocadas e espezinhadas, empurradas contra paredes e postes. Ievtuchenko ajudou a multidão e conseguiu atenuar a tragédia, mas não conseguiu ver Estaline. Ou conseguiu? “- Viste o Estaline? – Perguntou-me a minha mãe. / - Vi – Respondi num tom que não encorajava a continuação da conversa, enquanto erguia o meu copo e tocava no do rapaz. / Afinal , não chegara a mentir à minha mãe. Estaline era, realmente, aquele desastroso espectáculo que presenciara.” (p.130).
"Autobiografia Prematura"
Publicações Dom Quixote, 1966